

Os jogadores jogaram uma partida sabendo que se ganhassem seriam assassinados e, no entanto, decidiram ganhar. Na morte deram uma lição de coragem, de vida e honra que não encontra, pelo seu dramatismo, outro caso similar no mundo.
Para compreender a sua decisão, é necessário conhe
cer como chegaram a jogar aquela decisiva partida, e porque um simples encontro de futebol apresentou para eles o momento crucial das suas vidas.
Tudo começou em 19 de setembro de 1941, quando a cidade de Kiev (capital ucraniana) foi ocupada pelo exército nazista, e os homens de Hitler aplicaram um regime de castigo impiedoso e arrasaram tudo.
A cidade converteu-se num inferno controlado pelos nazistas, e durante os meses seguintes chegaram centenas de prisioneiros de guerra, que não tinham permissão para trabalhar nem viver nas casas, assim todos vagavam pelas ruas na mais absoluta indigência.
o gigante Trusevich.
Ainda que fosse ilegal, mediante artimanhas, o comerciante alemão enganou aos nazistas e contratou o guarda redes para que trabalhasse na sua padaria. A sua ânsia por ajudá-lo foi valorizado pelo jogador, que agradecia a possibilidade de se alimentar e dormir debaixo de um teto. Ao mesmo tempo, Kordik emocionava-se por ter feito amizade com a estrela da sua equipa.
Na convivência, as conversas sempre giravam em torno do futebol e do Dínamo, até que o padeiro teve uma idéia genial: encomendou a Trusevich que em lugar de trabalhar como ele, amassando pães, se dedicasse a buscar o resto dos seus colegas. Não só continuaria pagando-lhe, como juntos podiam salvar os outros jogadores.
Percorreu o que restara da cidade devastada dia e noite, e entre feridos e mendigos foi descobrindo, um a um, os seus amigos do Dínamo. Kordik deu trabalho a todos, esforçando-se para que ninguém descobrisse a manobra. Trusevich encontrou também alguns rivais do campeonato russo, três jogadores da Lokomotiv, e também os resgatou. Em poucas semanas, a padaria escondia entre os seus empregados uma equipa de futebol completa.
Reunidos pelo padeiro, os jogadores não demoraram em dar o seguinte passo, e decidiram alentados pelo seu protetor, voltar a jogar. Era, além de escapar dos nazistas, a única que bem sabiam fazer. Muitos tinham perdido as suas famílias nas mãos do exército de Hitler, e o futebol era a última sombra mantida das suas vidas anteriores.
Como o Dínamo estava enclausurado e proibido, deram um novo nome para aquela equipa. Assim nasceu o FC Start, que através de contactos alemães começou a desafiar a equipas de soldados inimigos e seleções formadas no III Reich.
Em 7 de junho de 1942, jogaram a sua primeira partida. Apesar de estarem famintos e cansados por terem trabalhado toda a noite, venceram por 7 a 2. O seu rival seguinte foi a equipa de uma guarnição húngara, ganharam de 6 a 2. Depois meteram 11 gols a uma equipa romena. A coisa ficou séria quando em 17 de julho enfrentaram uma equipa do exército alemão e golearam por 6 a 2.
Por essa razão, antes de fuzilá-los, queriam derrotar a equipa num jogo.
Com um clima tremendo de pressão e ameaças por todas as partes, anunciou-se a revanche para 9 de agosto,no repleto estádio Zenit.
Antes do jogo, um oficial da SS entrou no vestiário e disse em russo:
- "Vou ser o juiz do jogo, respeitem as regras e saúdem com o braço levantado",
exigindo que eles fizessem a saudação nazista.
Já no campo, os jogadores do Start (camisa vermelha e calção branco) levantaram o braço, mas no momento da saudação, levaram a mão ao peito e no lugar de dizer: -"Heil Hitler !", gritaram - "Fizculthura !", uma expressão soviética que proclamava a cultura física.
Os jogadores ficaram com muito medo e até propuseram-se a não voltar para o segundo tempo. Mas pensaram nas suas famílias, nos crimes que foram cometidos, na gente sofrida que nas arquibancadas gritava desesperadamente por eles e decidiram, sim, jogar. Deram um verdadeiro baile nos nazistas. E no final da partida, quando ganhavam por 5 a 3, o atacante Klimenko ficou cara a cara com o arqueiro alemão. Deu-lhe um drible deixando o coitado estatelado no chão e ao ficar em frente a trave, quando todos esperavam o golo, deu meia volta e chutou a bola para o centro do campo. Foi um gesto de desprezo, de deboche, de superioridade total. O estádio veio abaixo.
Como toda Kiev poderia a vir falar da façanha, os nazistas deixaram que saíssem do campo como se nada tivesse ocorrido. Inclusive o Start jogou dias depois e goleou o Rukh por 8 a 0.
Mas o final já estava traçado: depois desta última partida, a Gestapo visitou a padaria.
O primeiro a morrer torturado em frente a todos os outros foi Kordik, o padeiro. Os demais presos foram enviados para os campos de concentração de Siretz. Ali mataram brutalmente a Kuzmenko, Klimenko e o Trusevich, que morreu vestido com a camiseta do FC Start. Goncharenko e Sviridovsky, que não estavam na padaria naquele dia, foram os únicos que sobreviveram, escondidos, até a libertação de Kiev em novembro de 1943. O resto da equipa foi torturada até a morte.
Ainda hoje, os possuidores de entradas daquela partida têm direito a um assento gratuito no estádio do Dínamo de Kiev.
Nas escadarias do clube, custodiado em forma permanente, conserva-se atualmente um monumento que saúda e recorda aqueles heróis do FC Start, os indomáveis prisioneiros de guerra do Exército Vermelho aos quais ninguém pôde derrotar durante uma dezena de históricas partidas, entre 1941 e 1942.
Foram todos mortos entre torturas e fuzilamentos, mas há uma lembrança, uma fotografia que, para os torcedores do Dinamo, vale mais que todas as jóias em conjunto do Kremlin. Ali figuram os nomes dos jogadores.
Abaixo a única foto que se conserva da heróica equipa do Dínamo e o nome dos seus jogadores.
No estádio Zenit uma placa diz
"Aos jogadores que morreram com a cabeça levantada ante o invasor nazista"